terça-feira, 20 de julho de 2010

Descrição de Objeto Primitivo no primata Kafkiano




Há o objeto-estudo , e há o objeto sentimento. Dos dois, fico eu com o
primeiro.
De forma e tamanho a preencher o espaço de uma mão fechada, eu o tenho guardado no espaço central desta criatura: este primata ingênuo a quem eu devo impelir à evolução.
Assentada estou no topo desta organização, em algum lugar cerebral, entre o frontal e o occipital, a conviver psiquicamente com este amontoado de células, a formarem moléculas; estas tecidos; estes, órgãos, músculos e ossos.
E no centro superior deste, o objeto em questão: o objeto-coração.
Pulsante.
Vermelho.
Seus canais internos, suas vias, suas válvulas e seu potente movimento ininterrupto o transformam num dos melhores artifícios que a engenharia orgânica poderia conceber.
É ele quem faz correr por este organismo o alimento vital, rubro, que irriga-o como um todo.
Por anos seguidos, vivemos de forma harmoniosa.
Hoje, como em tudo, há mudanças.
Deve haver.
Anseio dominá-lo.
Antes de sermos encontrados, vivendo isolados do mundo dos homens, expostos a inúmeras adversidades no seio da mata, por vezes o vi pulsar como sempre quis, livre, com minha mínima interferência apenas em momentos esporádicos.

Um coração selvagem não precisa de uma intelectualidade que o repreenda
Eu pensava.

EU VIVIA ADORMECIDA.

Agora estamos juntos.
E porque agora estamos juntos, (na ironia deste compartimento-cela-caixote a que nos aprisionaram), eu venho crescendo juntamente a este sistema em que atuo.
Tenho, a cada instante, relativizado de forma crescente, sobre o processo a que estamos sendo submetidos.
Aqui neste navio, cruzando o oceano, tento impôr ao corpo um controle gradual na tentativa mimética de me aproximar destes primos estranhos: maiores e mais altos, e no entanto, com menos pêlos de revestimento.

Falam!

De minha parte, já otive êxitos significativos:
1. Abrir e beber uma garrafa de aguardente, ainda que me cause infinito asco. Os homens vibram. Não mais me queimam com seus cigarros. Dedicam cada vez mais tempo a me observar. Em mim, a intuição de que talvez assim, eu consiga um pouco mas de liberdade – se conseguir dominar o coração;
2. A nova linguagem que, pouco a pouco venho assimilando e tentando impôr ao domínio da fala (definitivamente, basta de urros e grunhidos primatas – cada sítio com a sua comunicação, e isto, aqui, não me serve);
3. E o controle gradual dos excessos naturais deste selvagem coração. Seus impulsos explosivos ainda são constantes, mas eu hei de dominá-lo por completo - O absurdo há de sonhar com a lógica.

Neste intuito de impôr o controle, afim de tentar compreendê-lo, concedo-me ouví-lo. Desço até bem perto de onde ele está alojado e, tentando traduzir o som potente e ininterrupto que produz, ouço seu andamento:



PRIMI
TIVO / PRIMI
TIVO / PRIMI
TIVO / PRIMI
TIVO / PRIMI
TIVO / PRIMI
TIVO / PRIMI
TIVO
(...)
PRIMI
TIVO / PRIMI
TIVO / PRIMI
TIVO / PRIMI
TIVO / PRIMI
TIVO / PUL
SAR / PUL
SAR
(...) EU
PUL
SAR / PUL
SAR / PUL
SAR / PUL
COM SUA LICENÇA
SAR / BA
TER / BA
TER / BA
TER / BA
TER / PUL
SAR / PUL
SAR

DESCREVO EU UM OBJETO PRIMITIVO:

PUL
SAR /
ME PERMITA
PUL
SAR /
ESTE CORPO QUE ME APRISIONA
PUL
SAR / PUL
SAR
ESTA MENTE, ESTA INTELECTUALIDADE
PUL
SAR / PUL
SAR /
QUE AGORA ME QUER DOMINAR

AGORA E A CADA DIA MAIS E MAIS CULTURALIZADA PELO CONTATO COM ESTES OUTROS SERES, A IMPÔE REGRAS, QUERER DOMINAR, DITAR RITMO E IDEOLOGIA.
EU CRESCI COMPLETAMENTE LIVRE

PRIMI
TIVO / PRIMI
TIVO / PRIMI
TIVO /

PREFERIA O HOMEM DE ANTES, O SELVAGEM, PUPILAS DILATADAS, OS GRUNHIDOS EM MEIO À MATA, A ACELERAÇÃO EM FRENTE AO COMBATE IMINENTE EM BUSCA DA SOBREVIVÊNCIA DIÁRIA NO MEIO SELVAGEM.

EU
(confunde-se / sopro / arritmia), OU MELHOR, A CONSCIÊNCIA QUE COMANDA O CÉREBRO E O CORPO QUE ME TRANSPORTA, E À QUAL ESTOU LIGADO INTIMAMENTE.

EU
EU ME DÔO (dor) POR INTEIRO E COMPLETAMENTE, POR PERMANECER ENCLAUSURADO NESTE CORPO
QUERO SALTOS MAIORES, PODER VOLTAR AOS CIPÓS.

A MATA É MINHA ENCICLOPÉDIA!

SIM, ME UNO À IMAGINAÇÃO E ALÇO VÔOS DISTANTES, ALÉM DOS GRANDES LAGOS, PARA ONDE QUERO, OU DEIXAR ATÉ MESMO ME CONTAMINAR POR ESTE SENTIMENTO ESTRANHO PARA MIM, PARA ESTE CORPO. SERIA UM TIPO DE PAIXÃO? EU, SOLITÁRIO, SEM NUNCA TER VISTO UM OUTRO IGUAL: APAIXONAR-ME COMO QUERO, E QUANTO QUERO, E QUERO, E COMO QUERO QUEIMAR
SIM, PORQUE É ISTO O QUE FAÇO DE MELHOR.

ARDER

ARDER

SUBJUGADO CADA VEZ MAIS E CONTINUAMENTE PELA consciência QUE TENTA UM DOMÍNIO DE FORMA CRESCENTE, DIA-A-DIA, QUE ME ACELERA.
E DESACELERA.
QUANDO CAI A NOITE, SENTINDO-ME LIBERTO, TENCIONO ESTE CORPO À LUXÚRIA.
À DANÇA, AOS VÍCIOS DA CARNE, AO SEXO.
E NO QUE ME ACELERA, AUMENTA MEU DESEJO DE QUERER MAIS.
RECOMENDARAM QUE ME ACALMASSE.

Me impuseram um ritmo mais lento (por meio de drogas, por vezes adormeci
Que eu não batesse tão forte, não galopasse tão forte.
Nunca vou ter um ataque próprio e fulminante. Nunca terei.
Por vezes sangro. Por vezes me desfaço em mim mesmo
Por vezes paro.
Há momentos em que suspendo o galope, por segundos.
Por tudo isto que faço, para tudo isto, é que se faz a vida, em toda a sua plenitude. Sou o motor impulsionador.
Desde modelos mais novos até outros já cansados, todos com funções similares, bem ordenados, bem ajustados. Sou todo sentimento-máquina, a esfriar e a queimar, a galopar e a parar.
Há o sopro, no meu mais íntimo. Já me pegou desprevenido algumas vezes, mas aprendi a conviver harmoniosamente com ele. É como um soluço fora de hora, aumentando com o passar do tempo. No meu eu mais íntimo. Uma válvula mitral, uma outra, que me trai.
Transplantado um outro eu, para um outro seu, a gerar-lhe

VIDA CONTINUADA

POR MAIS ALGUM TEMPO

Meu tempo é intrínseco ao fluxo sanguíneo, que me nutre, e que me nutro.
Vermelho como quero que seja.
Vermelho como tenho de ser.

1. Não às drogas anestesiantes.
2. A favor dos cafeinados e estimulantes em geral.
3. A favor da paixões intensas e explosivas.
4. Redução drástica do controle mental.
5. Repúdio ao sangue ralo e calmo.

Me inflo e grito pelas válvulas toda a imensa vontade de liberdade.

Viva o dia em que eu puder me despedir d'estas amarras. Um coração pairando livre por sobre qualquer pólo, qualquer hemisfério. Nos trópicos eu irei me retirar continuamente e conclamar a outros que façam o mesmo.

SOPRO
GALOPE

Morte a cada intervalo de batimento.
Vida a cada impulso de sangue em movimento.
Sou máquina-sentimento.
O pulso aberto.
A ferida que sangra.
Os lábios inchados da paixão febril.

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