terça-feira, 21 de agosto de 2007

BABEL BABILÔNIA . Conto

Conto de Nelson de Oliveira

Três são as subespécies humanas que convivem equilibradamente em Babel Babilônia: os dramaturgos dos edifícios, os nutricionistas das ruas e os cartógrafos dos túneis. Conseqüentemente três são os alvoreceres e os entardeceres dessa cidade-cilada: o luminoso (dos dramaturgos), o fuliginoso (dos nutricionistas) e o obscuro (dos cartógrafos). Para o viajante pouco habituado aos costumes do Ocidente essas três subespécies parecerão demasiado excêntricas. Nos edifícios os dramaturgos cultivam cercas de arame farpado em marquises de isopor e fibra de vidro. Nas ruas os nutricionistas adestram samambaias assassinas em picadeiros cozinhados em praças públicas. Nos túneis os cartógrafos hipnotizam alicerces de aço e fundações de concreto durante sessões espíritas de longa gestação. Lá todos os dias é 11 de setembro.
Reza a lenda que Teseu, ao escapar do labirinto (outra maneira de se referir a Babel Babilônia), trazia os olhos transtornados e, nas orelhas, garfos em vez de brincos. Sancho Pança, que o acompanhara através dos três círculos divinos – o paraíso dos dramaturgos, o purgatório dos nutricionistas e o inferno dos cartógrafos -, ladrava para as tevês e os vaga-lumes. E não dizia palavra, pois acreditava que se abrisse a boca parte das estrelas e dos planetas despencaria da abóbada celeste. Ao serem questionados durante o talk show de maior audiência da madrugada, Teseu e Sancho foram unânimes: das três subespécies, a dos cartógrafos era a mais irascível. Dos três planos, o dos túneis era o mais abençoado. Dos três hábitos alimentares – o vegetariano (dos dramaturgos), o macrobiótico (dos nutricionistas) e o antropofágico (dos cartógrafos) -, o terceiro era o mais sedutor.
Quem pensa que na Tenda dos Milagres (outra maneira de se referir a Babel Babilônia) os dramaturgos dão as caras não sabe se esquivar da farsa tragicômica dos espelhos. A verdade está o reflexo: lá quem dá as cartas são os cartógrafos. Afinal, foram eles que expulsaram a alcatéia de dramaturgos para o alto. São eles que catequizam o rebanho de nutricionistas para a primeira comunhão do abate anual. Nas grutas agridoces de Gadget (outra maneira de se referir a Babel Babilônia), os cartógrafos de pele azul deglutem os nutricionistas de olhos vermelhos em rituais relâmpagos transmitidos via Embratel pelos dramaturgos de cabelo verde. Em Babel Babilônia há várias cidades dentro da mesma cidade, vários homens dentro do mesmo homem. Lá as torres gêmeas, derrubadas e reconstruídas meia dúzia de vezes, continuam a cair e ninguém acredita no livre-arbítrio.

Um comentário:

Anônimo disse...

o que eu estava procurando, obrigado